Dra. Ana Lúcia
Langer*
O esqueleto é um tecido vivo, composto por ossos e cartilagens. Tem função de suportar o corpo, proteger órgãos vitais, além de ser o local onde os músculos se aderem para promoção dos movimentos.
O
Osso
1-Tipos
a)
Osso cortical
Constitui
80% do esqueleto humano. É a parte mais densa, compacta. Encontra-se geralmente
nas camadas externas dos ossos como, por exemplo, nas diáfises (parte central,
comprida) dos ossos longos, crânio e sua função mais importante é manter uma
estrutura rígida no esqueleto.
b)
Osso trabecular
É
responsável por 20% do esqueleto humano. Encontra-se no interior dos ossos e
tem uma aparência de esponja por possuir pequenas pontes chamadas trabéculas.
Encontra-se no interior de vértebras, costelas, pelve, crânio e extremidades
de ossos longos. Entre suas funções, destacam-se a manutenção da força e
elasticidade do esqueleto, além de alojar a medula óssea, responsável pela
produção de células sangüíneas e hemoglobina, e gordura, com função de
ser uma fonte de reserva de energia.
2- Constituição do osso
O
cálcio, sob a forma de carbonato ou fosfato, é o principal material inorgânico
que forma o osso, sendo responsável por 2/3 de seu peso. Cerca de 97 a 99% do cálcio
do corpo encontra-se nos ossos. Da mesma forma, cerca de 70 a 85% do fósforo é
encontrado no osso.
A
matriz orgânica do osso consiste em osteóides, sendo o colágeno seu principal
componente. Os cristais de fosfato de cálcio, principalmente sob a forma de
hidroxiapatita, são depositados no osteóide, transformando-o em matriz óssea
dura.
O esqueleto humano tem a capacidade de crescer e se renovar. Os ossos crescem rapidamente em tamanho e densidade na infância e adolescência. Na fase adulta o crescimento torna-se mais lento, mas há uma constante renovação, com aumento de densidade e massa, por vários anos.
Como
resultante da grande deposição de massa óssea, conseqüente de ação dos
hormônios pubertários, temos ao redor dos 20 a 30 anos o pico de massa óssea.
Este pico ser elevado é fundamental para que, mesmo havendo perdas de massa em
idades mais avançadas, principalmente na pós-menopausa, o indivíduo mantenha
uma densidade mineral óssea suficiente para evitar fraturas osteoporóticas.
A remodelagem óssea envolve vários elementos. Entre eles, podemos citar as células. Há grupos celulares responsáveis pela reabsorção, formação e mineralização de um determinado osso. Os osteoclastos são células grandes, com muitos núcleos, formadas na medula óssea e que, quando estimuladas, aparecem na superfície do osso. Estas células secretam enzimas proteolíticas e ácido que reabsorvem a matriz óssea, formando pequenos túneis e liberando para a corrente sangüínea cálcio e outros minerais, além de produtos do osteóide como hidroxiprolina e n-telopeptide, que podem ser quantificados na urina para controle de reabsorção óssea.
Quando os osteoclastos saem das áreas dissolvidas, aparecem os osteoblastos,
cerca de 100 a 150 para cada osteoclasto, para a formação do novo osso. No
passo seguinte, temos os osteoblastos imersos na matriz do novo osso e passando
a se chamar osteócito. Os osteócitos levam nutrição ao osso e ajudam a
remover a matriz óssea.
O cálcio participa de uma série de funções vitais e precisa ter uma concentração no sangue constante, mesmo a custa de sacrifício de massa óssea.
Há vários fatores que modulam a remodelação óssea e a relação cálcio e fósforo,
entre eles temos a ação das citocinas, interleucina 6, fatores de crescimento
esquelético, vitamina D, vários hormônios como o hormônio paratireoidiano,
tireoidiano, corticosteróides, calcitonina, hormônios gonadais
(particularmente estrógeno e progesterona) e atividade física.
Diferentes
tipos de ossos têm velocidades de remodelação diferentes. Cerca de 30% do
osso trabecular renova-se anualmente enquanto que apenas 3% do osso cortical é
renovado neste período. Este fato torna-se importante pois ressalta a
suscetibilidade muito maior do osso trabecular aos fatores que interferem na
remodelação óssea.
A osteoporose é a mais comum das doenças ósseas e é resultante do processo de remodelação óssea em adultos, uma condição de menor densidade óssea, com menor conteúdo mineral e aumentado risco de fraturas.
Na mulher em pós-menopausa há diminuição da atividade estrogênica e em
decorrência ocorre um aumento de atividade osteoclástica. A conseqüência
direta é a osteoporose da pós- menopausa
ou tipo 1. Com a idade, principalmente após os 70 anos, há também aumento de
atividade osteoclástica, resultando na osteoporose senil ou tipo 2.
-Medicamentos:
reposição de hormônios tireoidianos, uso de corticosteróides, heparinização
de longo prazo, terapia com lítio, antagonistas de hormônios liberadores de
gonadotrofinas, anticonvulsivantes, drogas que alteração absorção de cálcio
(tetraciclina, alguns diuréticos, derivados de fenotiazinas, ciclosporina, alumínio
– contido em anti-ácidos).
-Doenças crônicas que afetam rins, pulmões, estômago, intestinos.
-Alterações hormonais como, por exemplo, o baixo nível de hormônios sexuais.
-Doenças ou condições que afetem a mobilidade do indivíduo, como
algumas doenças do sistema nervoso central, patologias neuromusculares.
-Hábitos de vida: fumo, álcool, baixa ingesta de cálcio, excesso de café e de sódio, atividade física.
O consumo crônico de álcool induz osteopenia com baixo turn over e aumento do número de osteoclastos e da superfície de reabsorção. Durante a adolescência este hábito pode fazer com que haja menor pico de massa óssea, com conseqüências danosas para o resto da vida do indivíduo.
Outro hábito que deve ser ressaltado é a inadequada atividade física. Os exercícios estimulam o ciclo de remodelação óssea. Ele deve ser regular pois os efeitos osteogênicos são logo perdidos se a intensidade e a freqüência diminuírem.
-Hereditariedade
-Raça. O homem da raça
branca parece ter um risco maior para a osteoporose.
Até recentemente os médicos acreditavam que a perda óssea que ocorre na Distrofia Muscular de Duchenne seria conseqüente de imobilização ou do uso de determinadas medicações. Atualmente, tem-se observado osteoporose, principalmente na coluna lombar e cabeça femoral, nos meninos que ainda estão andando e sem o uso de drogas que poderiam levar à diminuição de massa óssea, entre elas os corticóides.
A
escoliose que ocorre em grande percentual nas distrofias musculares também é
um fator que acelera a perda de massa óssea.
Os
efeitos deletérios sobre o osso dos corticosteróides são há muito
conhecidos. Eles atuam em diferentes esferas. No nível celular agem diretamente
inibindo a função dos osteoblatos. Através desta inibição temos diminuição
da replicação, diferenciação, proliferação e meia vida destas células. Além
disso, os corticosteróides estimulam a atividade e levam ao aumento do número
de osteoclastos, estendendo enormemente a superfície de absorção.
A corticoterapia também leva a uma má absorção do cálcio intestinal, dose dependente, e que ocorre logo nas primeiras 2 semanas de terapia. A diminuição da reabsorção intestinal de cálcio leva à estimulação do paratormônio (hiperparatireoidismo secundário) visando à manutenção do nível sangüíneo de cálcio. Temos, como conseqüência, aumento da excreção urinária de cálcio e, portanto, diminuição do cálcio disponível.
A terapia esteróide traz efeitos negativos para a secreção de hormônios
sexuais. Como exemplo temos o retardamento da puberdade, a menor produção de
testosterona em pacientes do sexo masculino (cerca de 50% menor). A diminuição
dos hormônios sexuais contribui também para a diminuição do conteúdo
mineral do osso.
Outro setor atingido com a corticoterapia é o da produção das fibras colágenas, com marcante diminuição.
Durante o primeiro ano de uso de corticosteróides ocorre perda de 5% da massa
óssea. Posteriormente, esta perda cai para 0,3 a 3% nos anos subseqüentes. A
perda é mais intensa nos primeiros 6 meses e é dose e tempo dependente. Por
esta razão todo paciente que for submeter-se à terapia esteróide necessita de
um planejamento para profilaxia de osteoporose logo nas fases iniciais. Doses diárias
de prednisona maiores ou iguais a 2,5 mg ou doses cumulativas de 10 gramas já
mostram efeitos significativos. A terapia em dias alternados não diminui os
riscos. Os corticóides inalatórios, em doses moderadas, podem acarretar perda
óssea e necessitam de monitorização.
A medida da densidade óssea através de densitometria (DEXA - dual energy X-ray absortiometry) é um exame não invasivo e considerado ideal para o diagnóstico de perda de massa óssea e, assim, predizer o risco de uma fratura patológica.
Novos exames, entre eles um ultra-som específico para avaliação de massa óssea, tem sido introduzidos, mas ainda são pouco divulgados na prática clínica. O raio X rotineiro não é procedimento adequado pois só teremos imagens compatíveis com rarefação óssea quando a perda mineral já estiver em torno de 50%.
A diminuição da densidade maior que 1 desvio padrão significa 10 a 12% de
perda de massa óssea. Entre –1 e –2,5 desvios padrões temos osteopenia,
ainda com baixo risco de fratura, mas já indicando a necessidade de tratamento.
Menos que - 2,5
desvios padrões é osteoporose e risco muito aumentado de fraturas, inclusive
de coluna vertebral, indicando a necessidade premente de um tratamento
agressivo.
Deve ser enriquecida com cálcio e vitamina D. A vitamina D é necessária para melhorar a absorção intestinal de cálcio e prevenir o excesso de excreção pela urina. Normalmente ela é ingerida sob a forma de pré-vitamina e necessita de luz solar para transformar-se em sua forma ativa. A recomendação das necessidades básicas diárias de vitamina D é a seguinte:
crianças e adultos jovens--------------------------- 200UI
adultos maiores de 51 anos------------------------- 400UI
adultos maiores que 71 anos------------------------600UI
Estas doses necessitam ser revistas para indivíduos que não tomam sol, ou que mantém seus corpos completamente cobertos ou ainda porque fazem uso de corticosteróides.
Em
relação à ingesta de cálcio, a dose diária recomendada é:
crianças
de 4 a 8 anos---------------------------------- 800mg
crianças
de 8 anos até
19 anos----------------------1300mg
adultos--------------------------------------------------1000 a 1200mg
alguns recomendam 1500mg para homens e mulheres acima de 65 anos e para mulheres acima de 50 anos que não utilizam reposição hormonal
Nos
pacientes neuromusculares há uma grande preocupação com a restrição calórica.
Uma dieta rica em cálcio associada à baixa ingesta calórica pode ser um
desafio difícil de ser vencido. Nestes casos, o uso de suplementos é um fator
de profilaxia importante para a osteoporose.
A
relação cálcio e fósforo é fundamental. Para uma ótima absorção é
necessário que ela seja de 2:1. O excesso de alimentos contendo fósforo tem
impacto negativo no acúmulo mineral ósseo por propiciar maior excreção de cálcio.
Devem ser evitadas carnes vermelhas em excesso, refrescos a base de cola,
comidas processadas com aditivos contendo fósforo ou fosfato. Sal e cafeína
(novamente refrigerantes, café, chá) são causas comuns de perda de cálcio
pela urina e devem ser evitados.
Os
legumes, as castanhas, as sementes, a soja, o grão de bico, os vegetais verdes
(acelga, agrião, bertalha, folhas de beterraba, de nabo, de rabanete, salsa,
couve) e os laticínios são fontes ricas de cálcio.
2
– Exercícios
Um dos melhores exercícios para a osteoporose é a caminhada. Os exercícios
devem ser diversificados, com vários níveis de resistência e esforços
desenvolvidos de forma aeróbica. Devem sempre ser precedidos de aquecimento e
acompanhados de alongamento e, idealmente, supervisionados por profissionais
habilitados.
Nos pacientes com patologia neuromuscular este tipo de orientação com freqüência
não é possível de ser observado. Nestes casos a orientação é a seguinte:
-
Para os pacientes que não podem deambular , mas podem ficar em pé, que
tentem fazê-lo algumas vezes ao dia. Este stress ósseo já tem um efeito
positivo. Os aparelhos e cadeiras de roda que colocam o paciente em pé podem
ser coadjuvantes neste tratamento.
-
Exercícios
em piscina, ainda que não sejam ideais sob o ponto de vista de osteoporose (não
promovem stress ósseo), são melhores do que ausência de exercícios e devem
ser incentivados.
-
A fisioterapia passiva realizada por profissionais especializados pode
também ajudar aqueles que já não têm outras possibilidades de movimentação.
3
– Drogas
A) Tratamento Hormonal
Evidências
recentes comprovam que se for dado isoladamente leva a um aumento de risco de câncer
de útero (câncer endometrial). Este risco diminui se for dado com outro hormônio
feminino, a progesterona.
Apesar
da associação diminuir a chance de câncer endometrial, leva a um grande
aumento de risco de câncer de mama.
É
o principal representante de uma nova classe de medicamentos e um modulador
seletivo dos receptores de estrogênio. Tem efeitos semelhantes aos estrogênios
mas sem os efeitos cancerígenos.
d)
Testosterona
É
indicada para homens com baixo nível deste hormônio, para prevenção ou
tratamento de osteoporose.
e) Calcitonina
Também
é um hormônio utilizado para tratamento de osteoporose (não é utilizado para
prevenção). É normalmente produzida pelas células parafoliculares da tireóide.
Terapeuticamente utiliza-se calcitonina de salmão, 40 a 50 vezes mais potente
que a humana. Seu mecanismo de ação está na inibição da atividade osteoclástica.
Não é um medicamento de primeira linha para o tratamento da osteoporose.
.
Seus principais representantes são o etidronato, alendronato e o risedronato.
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São potentes inibidores da reabsorção óssea. Inibem a ativação, formação
e o recrutamento de osteoclastos, além de diminuir sua meia vida; in vitro
estimularam a proliferação de osteoblastos.
.
Outras ações: aumentam a absorção intestinal de cálcio, estimulam a formação
do colágeno da cartilagem, inibem o ácido lático e a síntese de
prostaglandinas.
.
São considerados medicamentos de primeira linha para osteoporose, tanto para
tratamento como para prevenção. São também medicamentos de eleição para o
combate dos efeitos adversos no osso da terapia esteróide.
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Entre os efeitos benéficos inclue-se a redução de 70% de fraturas de coluna
vertebral em 1 ano de uso.
.
Não devem ser utilizados em pacientes com disfunção renal.
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Entre os efeitos adversos temos principalmente
aqueles da esfera gastro-intestinal: náuseas, vômitos, diarréia, dor
abdominal. A esofagite é um efeito colateral importante. O risendronato é um
dos medicamentos mais recentes deste grupo e parece predispor a menores efeitos
digestivos.
.
A biodisponibilidade dos bifosfonatos orais é menor que 5 %, mesmo com o estômago
vazio.
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Os bifosfonatos devem ser tomados em jejum, apenas com água. O paciente deve
permanecer sem comer e sentado ou em pé por 30 minutos para evitar a agressão
esofágica.
.
Tanto o alendronato como o risedronato podem ser utilizados como terapia semanal
(no Brasil apenas o alendronato tem disponível a apresentação de 70 mg para
ingesta semanal).
São
utilizados como segunda escolha, quando as opções acima não obtiveram os
resultados previstos ou quando há contra-indicações. Entre eles temos:
a)
Fluoreto de sódio – estimula os osteoblastos.
b)
Isoflavones – são derivados da soja e sua ação tanto estimula a
formação óssea como inibe a reabsorção.
c)
Diuréticos – alguns da classe dos tiazídicos podem diminuir a excreção
urinária de cálcio.
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*
Médica do Hospital Israelita Albert Einstein, do Hospital Do Servidor Público
Municipal de São Paulo e do Centro de Estudos do Genoma Humano.
N. do *: Inicialmente
o propósito deste artigo seria a orientação de portadores e parentes de
pacientes com miopatias. Porém, percebemos a existência de tantas novas
recomendações, principalmente referentes à profilaxia da osteoporose em
pacientes usuários de corticóides, ou com miopatias, ou mesmo em ambas as
situações, que resolvemos aprofundar o tema e, assim, este artigo poderá
servir de guia também aos profissionais da classe médica, fisioterapêutas,
nutrólogos, profissionais da área da saúde em geral.